A necessária e urgente desmilitarização das atividades policiais
O policiamento ostensivo e a preservação
da ordem pública, funções atribuídas às polícias militares estaduais na regra
do § 5º do artigo 144 da Constituição Federal brasileira, são atividades
típicas de polícia, que não se coadunam com a organização militarizada imposta
pela distorcida previsão (no § 6º do mesmo artigo) de tais polícias como forças
auxiliares e reserva do Exército.
A estruturação das polícias estaduais em organizações diferenciadas ainda cria
desuniões e competições, acabando por afetar negativamente a própria efetivação
da segurança pública. Emenda constitucional que promova a reestruturação das
polícias militares e sua unificação com as polícias civis decerto se faz
necessária e urgente.
A desmilitarização das atividades policiais não pode se limitar, porém, a essa
indispensável reestruturação e unificação das polícias estaduais. A necessária
e urgente desmilitarização requer uma nova concepção das ideias de segurança e
atuação policial, que, afastando o paradigma bélico, resgate a ideia do
policial como agente da paz, cujas tarefas primordiais sejam a de proteger e
prestar serviços aos cidadãos.
A prevalência dessa nova concepção não depende apenas de transformações
internas nas polícias e na formação dos policiais. Há de ser, antes de tudo,
adotada pela própria sociedade e exigida dos governantes.
No entanto, mais grave do que a existência de uma polícia militarizada no
Brasil é a atuação das próprias Forças Armadas que, em claro desvio das funções
que a Constituição Federal A necessária e urgente desmilitarização das
atividades policiais lhes atribui, vêm sendo utilizadas em atividades
policiais. O cenário do tão incensado novo modelo de policiamento iniciado no
Rio de Janeiro – as chamadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) – inclui
tanques de guerra e militares com fuzis e metralhadoras, seja na ocupação
inicial, como na Rocinha e no Vidigal, seja, como no Complexo do Alemão e na
Vila Cruzeiro, em que essa presença vai se tornando permanente, o Exército
estando ali estacionado desde novembro de 2010.
Sob o pretexto de “libertar” as favelas dos “traficantes” de drogas, esse novo
modelo de policiamento consiste na ocupação militarizada dessas comunidades
pobres, como se fossem territórios “inimigos” conquistados ou a serem
conquistados. No momento inicial da ocupação, chega-se até mesmo a hastear a
bandeira nacional, em claro símbolo de “conquista” do território “inimigo”. A
ocupação fortalece o estigma e a ideia do gueto. A ocupação sujeita as pessoas
que vivem nas favelas a uma permanente vigilância e monitoramento, com
frequentes revistas pessoais até mesmo de crianças por agentes fortemente
armados, com revistas domiciliares sem mandado (ou
com algum vazio e igualmente ilegítimo mandado genérico).
A ocupação funciona como uma espécie de “educação” para a submissão. Sabendo-se
e sentindo-se permanentemente vigiado, o indivíduo acaba por se adestrar para a
obediência e a submissão à ordem vigente. O indivíduo permanentemente vigiado
acaba por reprimir suas opiniões, por mudar seus hábitos, por ter medo de ser
diferente, de questionar, acaba por se conformar aos padrões dominantes, acaba
por aderir à submissão. Aliás, nos “guetos” denominados favelas, sob ocupação,
qualquer manifestação de inconformismo de moradores, quaisquer denúncias de
abusos acabam por ser desqualificados, sob a fácil alegação de que os autores
dos questionamentos estariam ligados aos “traficantes”.
A proibição das arbitrariamente selecionadas drogas tornadas ilícitas é omotor
principal da militarização das atividades policiais. O paradigma bélico,
explicitamente retratado na expressão “guerra às drogas”, faz do “criminoso”o
“inimigo”. Em uma guerra, quem deve “combater” o “inimigo”, deve eliminá--lo.
Os policiais brasileiros são, assim, formal ou informalmente autorizados e
mesmo estimulados, por governantes e por grande parte da sociedade, a praticar
a violência, a tortura, o extermínio. Basta pensar que o “cinematográfico”
Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) da Polícia Militar do estado
do Rio de Janeiro tem como símbolo uma caveira.
A “guerra às drogas”, motor da militarização das atividades policiais, não se
dirige efetivamente contra as drogas. Como qualquer guerra, não é uma guerra
contra coisas. Como qualquer guerra, é uma guerra contra pessoas – os
produtores, comerciantes e consumidores das arbitrariamente selecionadas
substâncias tornadas ilícitas. Mas, é ainda mais propriamente uma guerra contra
os mais vulneráveis dentre esses produtores, comerciantes e consumidores. Os “inimigos”
nessa guerra são os pobres, não-brancos, marginalizados, desprovidos de poder,
como os vendedores de drogas do varejo das favelas, demonizados como
“traficantes”, ou aqueles que a eles se assemelham, pela cor da pele, pelo
local de moradia, pelas mesmas condições de pobreza e marginalização.
Os homicídios, travestidos em “autos de resistência”, praticados por policiais
em operações nas favelas no Rio de Janeiro – em média, 20% do total de
homicídios no estado – não deixam dúvida sobre quem são os “inimigos” nessa
guerra.
Passo primordial e urgente para uma efetiva desmilitarização da atividade
policial, para afastar o paradigma bélico da atuação do sistema penal, é, pois,
a necessária e urgente mobilização para pôr fim à “guerra às drogas” e substituir
a proibição por um sistema de legalização e conseqüente regulação da produção,
do comércio e do consumo de todas as drogas.
Maria Lucia Karam,
membro da AJD (Associação Juízes para a Democracia), é Juíza de direito
aposentada no Rio de Janeiro, membro da direção da Law Enforcement Against
Prohibition (LEAP – ‘Agentes da Lei Contra a Proibição’, em tradução livre)
[www.leap.cc e www.leapbrasil.com.br ]
Fonte: Blog Sem Juízo - Marcelo Temmer
Conselho Editorial (inspirado) Carlos H. Conny, presidente; M. Covas, Miguel S. Dias, W. Furlan, Edegar Tavares, Carlos Lira, Plínio Marcos, Lamarca, Pe. João XXX, Sérgio Sérvulo da Cunha, H. Libereck, Carlos Barbosa, W. Zaclis, Plínio de A. Sampaio, Mário de Andrade, H. Vailat, G. Russomanno, Tabelião Gorgone, Pedro de Toledo, Pe. Paulo Rezende, Tabelião Molina, Rita Lee, Izaurinha Garcia, Elza Soares, Beth Carvalho, Tarcila do Amaral, Magali Guariba, Maria do Fetal,
18 abril 2012
VIOLENCIA POLICIAL CONSTANTE = Brasil !!!
Advogado, paulistano, professor de direito, defensor de direitos humanos. Bacharel pela PUC -SP em 1974, pós graduado em Direito Notarial, Registros Públicos e Educação Ambiental. Defensor de quilombolas, caiçaras, indígenas, pescadores artesanais... Edita o Expresso Vida.
Autor de diversos livros jurídicos.São incontáveis os artigos jurídicos publicados em revistas especializadas, jornais etc. Integra a Academia Eldoradense de Letras,Academia Itanhaense de Letras. Titular da cadeira nº 35 da Academia São José de Letras. Integra o Instituto dos Advogados de Santa Catarina. É presidente da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB-Sc. Consultor nacional da Comissão de Direito Notarial e Registraria do Conselho Federal da OAB.Foi presidente por dois mandatos da OAB-TO - Gurupi. Sócio desde 1983 do Lions Clube Internacional. Diretor de Opinião da Associação Comercial de Florianópolis. Sócio de Pugliese e Gomes Advocacia. CIDADÃO HONORÁRIO DA ESTANCIA DE CANANÉIA, SP.
www.pugliesegomes.com.br
Residente em Florianópolis.
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