18 abril 2012

Ditadura eliminou 2000 indígenas.

Dois mil índios
waimiri-atroari contrários à rodovia desapareceram durante regime militar no
Brasil

Eles não estão na lista oficial de desaparecidos políticos, nem de
vítimas de violação de direitos humanos durante o regime militar no Brasil, mas
foram considerados empecilhos para o desenvolvimento e guerrilheiros e inimigos
do regime militar.


Por resistirem à construção de uma estrada (a BR-174, que liga
Manaus a Boa Vista) que atravessaria seu território, sofreram um massacre.



Entre 1972 e 1975, no Estado do Amazonas, dois mil indígenas da
etnia waimiri-atroari sumiram sem vestígios. Um número infinitamente superior
aos desaparecidos da Guerrilha do Araguaia, no Pará. Esta população cuja história
permanece obscura ainda povoa a memória dos sobreviventes waimiri-atroari (ou
Kiña, como se autodenominam).




“O massacre aconteceu por etapas e envolveu diferentes órgãos do
regime militar”, diz o indigenista e ex-missionário Egydio Schwade, 76, um dos
principais agentes da mobilização que tenta tornar público este episódio e
provocar a inclusão dos waimiri-atroari nas investigações da Comissão Nacional
da Verdade, criada em novembro de 2011 pela Presidência da República.



Desde o início de 2011, Schwade passou a divulgar uma série de
artigos em seu blog http://urubui.blogspot.com.br sobre os episódios
que envolveram a violenta ocupação das terras dos waimiri-atroari.


O recrudescimento contra os waimiri-atroari nunca foi negado pelo
regime militar. Registros sobre os métodos dos militares para dissuadir (ou
pacificar, como foi batizada a estratégia de convencimento) os indígenas a
aceitar a construção da estrada estão em vários documentos e podem ser
encontrados em declarações dadas a jornais na época tanto por militares quanto
por funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai).




Panfleto denominado “Operação Atroaris” que circulava na época,
chegou a qualificá-los de “guerrilheiros”. Um trecho do panfleto, escrito em
versos, dizia:

“Estais cercado, teus momentos estão contados; vê na operação
esboçada que o teu fim está próximo”.
Egydio Schwade teve acesso às informações sobre o desaparecimento
dos waimiri-atroari à medida que se tornava mais próximo e ganhava a confiança
dos indígenas no período em que viveu com sua família na aldeia Yawará, onde
chegou em 1985 e iniciou o processo de alfabetização em Kiñayara, língua da
etnia.



O indigenista, que reside no município de Presidente Figueiredo e
sobrevive como apicultor, conta que, após dois anos vivendo entre os
waimiri-atroari, foi expulso pela Funai. Ele acredita que isto ocorreu
justamente porque os indígenas começaram a revelar os acontecimentos da época
da construção da rodovia. Para ele, a Funai, tanto na época quanto atualmente,
foi omissa e até mesmo contribuiu com a opressão e a violência contra os
indígenas.


“Queremos que as populações indígenas não sejam esquecidas pela
Comissão da Verdade. Os waimiri-atroari, assim como os Parakanã, no Pará, e os
Suruí e os Cinta Larga, em Rondônia, foram perseguidos pelo regime militar, que
tinha como estratégia ocupar suas terras. Os índios resistiram e foram mortos.
Que seja neutralizado o silêncio que domina estes casos”, alerta Egydio
Schwade.




Ele diz que o que o incomoda é o silêncio da Funai em relação a este
assunto, atualmente escondido por detrás das ações mitigadoras que foram
implementadas nos anos 80, com a criação do Programa Waimiri-Atroari, uma
parceria com a Eletronorte, como forma de compensar os impactos ambientais e
sociais causados pela construção da Hidrelétrica de Balbina. A usina alagou
grande parte do território dos waimiri-atroari.
O Coordenador do Programa Waimiri-Atroari, José Porfírio Carvalho,
que é citado nos artigos de Egydio Schwade e acusado de participação, como
indigenista, nas ações contra os waimiri-atroari, foi procurado por email (que
consta no site do Programa Waimiri-Atroari) três dias antes do fechamento desta
matéria, mas não retornou o contato. No telefone da sede do programa,
3632-1007, ninguém atendeu.




A assessoria de imprensa da Funai também foi procurada e enviou a
seguinte resposta: “A Funai está acompanhando as discussões sobre o assunto e
vai trabalhar pela defesa dos direitos dos povos indígenas também nesse caso”.



O decreto (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12528.htm)
que criou a Comissão Nacional da Verdade é de dezembro de 2011. A assessoria de
imprensa da Casa Civil da PR disse ao jornal A CRÍTICA que “quando a comissão
começar a investigar, serão analisados todos os casos de desaparecidos,
independente da etnia”.



Neste mês, a Câmara dos Deputados criou uma Comissão da Verdade
paralela, como resposta à demora da Presidência da República em demorar em
instalar a Comissão Nacional da Verdade.


O projeto de construção da BR-174 (Manaus-Boa Vista), que era
defendido pelo governador do Amazonas, Danilo Areosa, começou em 1968. A obra
passaria por dentro do território dos indígenas, que não foram consultados e se
opuseram ao empreendimento. Paralelamente, foram iniciadas medidas de
“pacificação” dos indígenas, envolvendo padres (o mais conhecido foi o P.
Calleri, morto pelos índios) e indigenistas da Funai.



A estratégia envolvia tentativas de diálogos, mas foi a presença de
soldados e funcionários da Funai e o uso de armas (metralhadoras, revólveres,
dinamite e até gás letal) os principais meios de “convencimento” dos indígenas.




Estimativa de população de waimiri-atroari feita pelo P. Calleri era
de 3 mil pessoas no final dos anos 60. Nos anos seguintes, este número baixou
para mil pessoas, sem que um registro de morte fosse feito, segundo Schwade.



A partir de 1974 as estatísticas da Funai começaram a referir
números entre 600 e mil pessoas e, em 1981, restavam apenas 354, conforme
pesquisa feita por Egydio.



Pelo menos uma das várias aldeias desaparecidas foi bombardeada por
gás letal. Um sobrevivente waimiri-atroari que foi aluno de Egydio se recordou
“do barulho do avião passando por cima da aldeia e do pó que caia”.
Nos anos 80, após a repercussão internacional das mobilizações
contra os impactos causados pela Hidrelétrica de Balbina, o Banco Mundial
condicionou o financiamento da obra, que alagou terras dos waimiri-atroari, à
criação de um programa de mitigação da sua população.



O programa começou a ser implementado em 1988, com duração de 25
anos sob a gestão da Eletronorte. O prazo expira em 2013. Após o programa, a
população de waimiri-atroari voltou a crescer.




O acesso aos waimiri-atroari é difícil. A reportagem tenta desde o
ano passado ir ao local, mas a resposta recorrente da coordenação do Programa é
que os indígenas “estão em festa ou caçando”.
O único amazonense integrante da lista oficial de desaparecidos
durante a ditadura é o Thomaz Meirelles, nascido em Parintins em 1937.
Militante de esquerda, a última notícia que se soube de Meirelles data de 1974.
A reportagem entrou em contato com a viúva de Meirelles, a
jornalista Miriam Malina, que vive atualmente no Rio de Janeiro, mas ela não
quis dar declarações sobre o assunto nem sobre a Comissão da Verdade. Miriam
afirmou que “enquanto não souber a composição da Comissão” prefere não se
manifestar.



Amigo e companheiro na época do Centro Popular de Cultural, Euclides
Coelho de Souza, 76, defende a urgência em dar visibilidade ao desaparecimento
de Meirelles, sobretudo entre os mais jovens. “Ele foi um importante líder do
movimento estudantil nos anos 60. Foi para a luta e o mataram. Os estudantes do
Amazonas precisam conhecer sua história. Pressionar o poder público. Este
assunto não pode ficar em brancas nuvens”, disse Souza, por telefone, do
Paraná, onde mora.



Thomaz Meirelles morou em Manaus desde 1950, mas no final daquela
década se mudou para o Rio de Janeiro, onde passou a se envolver com movimento
estudantil. Fez parte da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES).
Em 1963 ganhou uma bolsa para uma faculdade em Moscou, onde conheceu sua
esposa. Quando retornou, seu envolvimento com o movimento se intensificou. A
perseguição política ficou mais dura e Meirelles passou a viver na
clandestinidade. Há informações de que foi torturado e então desapareceu. Seu
corpo nunca foi encontrado.

As denúncias graves, como se percebe, envolve a Funai entre outros órgãos e autoridades. Lamentavel que essa história tenha ocorrido no Brasil.

Deve ser apurada e divulgada.

O Expresso Vida mais uma vez deixa patente sua indignação.

Roberto J. Pugliese
www.pugliesegomes.com.br

( Fonte: A Crítica - Renap Rede Nacional de Advogados Populares )

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