DEMOCRACIA DOS MONOPÓLIOS?
(tentando entender democracia no Brasil)
glauco c. marques
janeiro de 2012
( publicado no sítio Desacato )
Ao final do período da ditadura militar, ocorreu nos setores de esquerda um debate sobre como caracterizar o novo regime que passaria a vigorar no Brasil. O jornalista, professor e filósofo Adelmo Genro Filho, publicou um texto onde definia a então chamada Nova República como um regime de democracia efetiva para os monopólios, no qual caberia aos militares o papel de sinalizar os caminhos mais “seguros” a serem trilhados pelas instâncias de governo. Passados quase 30 anos, em que medida seria possível aplicar esta caracterização ao regime vigente?
Para tentar avaliar o grau de pertinência da formulação do professor Adelmo com a atualidade, se poderia iniciar lembrando as modificações ideológicas e programáticas ocorridas no Partido dos Trabalhadores nos últimos anos do governo de Fernando Henrique Cardoso quando tudo indicava que Lula seria eleito no pleito que se avizinhava. Tarso Fernando Genro, um dos únicos componentes da cúpula petista a teorizar sobre essas alterações, afirmou em artigo publicado na Folha de São Paulo, que era necessário dar uma trégua ás utopias para que se pudesse resgatar a imensa dívida social do país. Em outras palavras, a afirmação do dirigente petista foi que se deveria mergulhar na objetividade do sistema capitalista, visando incluir imensas parcelas da população na sociedade de mercado, na sociedade de consumo. Posteriormente, as utopias voltariam a ser consideradas.
Aqui recorro também ao pensamento de Adelmo Genro que em textos e debates na década de 80 do século passado, afirmava que o capitalismo não era “um” sistema, mas “o” sistema, e que para superá-lo seria necessário elevar o olhar para além da sua própria objetividade.
Argumentava que não seria possível vislumbrar um caminho de transformações a partir da objetividade ou das contradições engendradas pelo próprio sistema, tal como se deu na transição do modo feudal para o modo de produção capitalista. Seria então necessário um exercício no campo da subjetividade, da teoria, para conceber um rumo para esta superação.
O caminho escolhido pelo PT foi o de operar apenas no que “já é”, no sistema que está estabelecido, sem ligar esta política a uma perspectiva de transformação.
O modelo de crescimento econômico adotado situou a classe C como a real classe média brasileira, ao mesmo tempo que gerou os mensalões do PT e do DEM (esquemas semelhantes ao da Privataria Tucana), garantiu como efetiva prioridade os interesses e vantagens do capital financeiro e do agronegócio e tolerou as relações dos grandes conglomerados no financiamento de campanhas de candidatos de todos os partidos. Saúde, Moradia e Educação continuam como prioridade apenas nas peças de publicidade dos períodos eleitorais e a especulação imobiliária comanda a degradação da vida e destruição ambiental.
Para manter o nível de crescimento do modelo se tornou imprescindível a exploração intensiva de recursos naturais e energéticos, justificando projetos como a Usina de Belo Monte e o novo Código Florestal, bem como a transgenia para o agronegócio.
Adaptando-se aos novos tempos, o conceito republicano de cidadão foi substituído pelo de consumidor. Nossa sociedade passou a ser concebida como um grande mercado, onde tudo tem preço, e onde o que cria identidade, independente de classe social, é o fato de todos serem consumidores. É no mercado que as pessoas se reconhecem, se identificam e se relacionam. Não é por acaso que se propaga que um governante deva ter perfil de gerente. A semelhança deste perfil ideal com o de um executivo de conglomerado financeiro-industrial não é mera coincidência, considerando que as grandes corporações passaram a ser o modelo para a vida e para o funcionamento de toda sociedade.
Com relação ás Forças Armadas, estas estão subordinadas a um governo civil, mas preservam suas doutrinas e ideologia, com uma autonomia relativa de fato, semelhante a dos três poderes existentes no sistema republicano. Isto resulta numa particular forma do executivo se relacionar com as Forças Armadas que se reflete na escolha de seus comandantes, no tratamento das questões salariais e infraestrutura, sempre com cuidado para não ferir suscetibilidades e não provocar tensões com a “caserna”. A relação dos executivos estaduais com as PMs é semelhante, embora estas tenham um menor grau de coesão doutrinária e menor autonomia, sendo mais permeáveis inclusive, ás políticas eleitorais, partidárias. A repressão se dá seguindo a legalidade vigente, cumprindo decisão do Judiciário, o qual via de regra, atua para garantir os interesses de classe dos que habitam o andar de cima desta sociedade de desiguais. O corte de classe nas decisões do Judiciário chegou a tal ponto que descaracterizou o direito de greve, impondo medidas que tendem a torná-lo inócuo.
O fato das PMs e das Forças Armadas agirem de forma violenta e selvagem com as comunidades empobrecidas e com os movimentos sociais, bem como seus oficiais atuarem muitas vezes como porta-vozes e negociadores de governantes, tarefa que seria de responsabilidade de autoridades civis (secretários de estado, governantes, ministros de estado, da justiça, etc...), tem na criminalização dos movimentos sociais sua explícita evidência e consequência. Atitudes do Judiciário ou de governantes, que respeitem a dignidade de seres humanos das populações empobrecidas, são raras exceções e apenas cumprem a função de confirmar a regra.
A aventura militar brasileira no Haiti comandando as tropas de ocupação, qualificou a política externa brasileira com uma faceta intervencionista, com o objetivo de assumir assento no Conselho de Segurança da ONU. No mesmo contexto, se coloca um dilema para a diplomacia brasileira: optar por ter relações com o Irã (quinta maior reserva de petróleo do planeta), país acusado por Israel e seus aliados (países que tem arsenais de armas atômicas) de desenvolver tecnologia nuclear com intenções bélicas, ou alinhar-se a política de isolar e impor sanções ao Irã, medidas defendidas pelos Estados Unidos, único país do mundo que já utilizou armas nucleares, e o fez para deliberadamente provocar o genocídio de centenas de milhares de civis em Hiroshima e Nagasaki, e que usou armas químicas e “convencionais” para massacres da população no Vietnam, Iraque e Afeganistão. A posição do governo brasileiro vem apontando para a segunda opção.
A Comissão da Verdade, aprovada no Congresso Nacional para apurar os crimes da Ditadura, demonstrou que o governo que tem a frente uma mulher que foi torturada, se curvou ante as exigências das Forças Armadas, gerando uma comissão com finalidade e estrutura orientadas para manter a impunidade dos torturadores.
Já o convite e posterior “desconvite” feito pelo governo à filha de um preso político, que foi torturado e assassinado pela repressão durante a ditadura, cancelando o pronunciamento que ela faria quando do lançamento da Comissão da Verdade, se configura como evidência emblemática do papel destinado aos militares na institucionalidade. O curioso é que um deputado federal, ex-guerrilheiro do Araguaia, venha cumprindo a função de ligação com os militares, adequando e encaminhando as “sinalizações” da caserna para o executivo federal.
Pelas declarações de quem administra o país, a aposta é que o modelo se manterá por muito tempo, com a euforia do consumo descartando a possibilidade de tempo ruim no futuro, além de minimizar problemas e relativizar o fato de que as consequências dos rotineiros ajustes são sempre debitadas aos que estão na base da pirâmide (classe C incluída).
Retomando a metáfora “trégua para as utopias”, citada ao início deste texto, ela vem se realizando como história, como um labor permanente que pode ser compreendido como o maior projeto de conciliação de classes da história da América Latina.
Como contraponto, fica o registro do que disse o cineasta argentino Fernando Birri, numa palestra recente realizada na Universidade de Cartagena de Indias, na Colômbia, quando ao ser perguntado “para que serve a UTOPIA?”, respondeu:
“A UTOPIA está no horizonte. Eu sei muito bem que nunca a alcançarei, que se caminho dez passos, ela se distanciará dez passos.
Quanto mais a procure, menos a encontrarei, porque ela vai se distanciando quanto mais me aproximo. Boa pergunta, não? Para que serve? Pois a UTOPIA serve para isto, para CAMINHAR.”
Conselho Editorial (inspirado) Carlos H. Conny, presidente; M. Covas, Miguel S. Dias, W. Furlan, Edegar Tavares, Carlos Lira, Plínio Marcos, Lamarca, Pe. João XXX, Sérgio Sérvulo da Cunha, H. Libereck, Carlos Barbosa, W. Zaclis, Plínio de A. Sampaio, Mário de Andrade, H. Vailat, G. Russomanno, Tabelião Gorgone, Pedro de Toledo, Pe. Paulo Rezende, Tabelião Molina, Rita Lee, Izaurinha Garcia, Elza Soares, Beth Carvalho, Tarcila do Amaral, Magali Guariba, Maria do Fetal,
01 fevereiro 2012
Democracia dos Monopólios ?
Advogado, paulistano, professor de direito, defensor de direitos humanos. Bacharel pela PUC -SP em 1974, pós graduado em Direito Notarial, Registros Públicos e Educação Ambiental. Defensor de quilombolas, caiçaras, indígenas, pescadores artesanais... Edita o Expresso Vida.
Autor de diversos livros jurídicos.São incontáveis os artigos jurídicos publicados em revistas especializadas, jornais etc. Integra a Academia Eldoradense de Letras,Academia Itanhaense de Letras. Titular da cadeira nº 35 da Academia São José de Letras. Integra o Instituto dos Advogados de Santa Catarina. É presidente da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB-Sc. Consultor nacional da Comissão de Direito Notarial e Registraria do Conselho Federal da OAB.Foi presidente por dois mandatos da OAB-TO - Gurupi. Sócio desde 1983 do Lions Clube Internacional. Diretor de Opinião da Associação Comercial de Florianópolis. Sócio de Pugliese e Gomes Advocacia. CIDADÃO HONORÁRIO DA ESTANCIA DE CANANÉIA, SP.
www.pugliesegomes.com.br
Residente em Florianópolis.
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